A Geopolítica da Federação Russa em Relação aos EUA e à Europa: Vulnerabilidade, Cooperação e Conflito

O colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, pôs termo à Guerra Fria, período caracterizado por fortes tensões entre o mundo ocidental dominado pelos Estados Unidos e o bloco socialista liderado pela URSS. Esta deu lugar a quinze Estados independentes, no meio dos quais figurava a Rússia. Mesmo sendo o maior destes novos países, a Rússia só representa dois terços do território da ex-URSS e metade de sua população. Este país conseguiu obter a cadeira permanente ocupada pela então URSS no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) e conservar o controle exclusivo do antigo arsenal nuclear soviético. Mas, depois que a URSS sob Mikhail Gorbachev abdicou unilateralmente de todas as suas pretensões de disputar o poder mundial como superpotência, no primeiro momento, a nova Federação Russa correu o risco de perder até seu status de potência regional.

Nesse novo contexto, as relações entre a Rússia, a Europa e os Estados Unidos mudaram bastante em relação ao que podia ser observado durante a Guerra Fria. Nas duas últimas décadas, estas relações conheceram uma trajetória conturbada, ligada principalmente às mudanças internas da própria Rússia. Assim, aparece claramente a primeira fase, que corresponde aos anos 1990 e à presidência de Boris Yeltsin, quando a Rússia, extremamente enfraquecida por seu processo de transição do socialismo para o capitalismo, adotou uma política externa pró-ocidental de “cooperação” com os Estados Unidos. Esta tentativa de aproximação do Ocidente foi usada pelos Estados Unidos para enfraquecer sistematicamente o poder do Estado russo. A Europa, como aliada subordinada dos norte-americanos, também participou deste processo, que lhe permitia reduzir o perigo potencial que poderia representar a Rússia para sua segurança.

A chegada de Vladimir Putin ao poder e a recuperação econômica que se seguiu levaram ao abandono da estratégia de “colaboração” e a uma tentativa de recuperação do poder do Estado russo e também a consolidação de seu papel de potência regional ao longo dos anos 2000. Naturalmente, esta mudança de estratégia foi acompanhada pela volta das tensões nas relações entre a Rússia e os Estados Unidos, que mantêm suas tentativas de enfraquecimento do poder russo. Da mesma forma, houve transformação das relações com os países europeus, mas de forma mais complexa, devido à interdependência econômica crescente entre a Europa e a Rússia, principalmente – mas não apenas – no setor energético.

Este capítulo discute a evolução das relações entre a nova Federação Russa, a Europa e os Estados Unidos. Mostrar-se-á que estas relações evoluíram de tal forma que atualmente existe forte conflito de interesses com os Estados Unidos e uma vinculação mais complexa com a Europa. Esta relação com os países europeus é marcada ao mesmo tempo – ao contrário dos Estados Unidos – por crescente complementaridade de interesses econômicos – especialmente na área energética –, com países europeus tomados individualmente, e forte conflito de interesses com a União Europeia (UE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) como um todo, instituições subordinadas diretamente à estraté- gia geopolítica americana.

O capítulo está organizado da seguinte forma. Começar-se-á com uma curta seção em que se contextua a situação estrutural do sistema de poder mundial no qual surgiu a nova Federação Russa, situação caracterizada por assimetria sem precedentes históricos entre o poder dos Estados Unidos – em diversas dimensões – e o de todos os demais países do mundo (seção 2). Em seguida, na seção 3, mostrar-se-á como, inicialmente, a Rússia tenta seguir a estratégia de “cooperação” com os Estados Unidos e a Europa a despeito das evidências crescentes de que o objetivo do Ocidente era o enfraquecimento e a subordinação desse país. Na seção 4, tratar-se-á da gradual mudança de postura do Estado russo nos anos 2000, com a adoção de estratégia geopolítica defensiva em relação aos objetivos dos Estados Unidos na seção 5, mostrar-se-ão as relações mais complexas e mediadas pela questão energética com a Europa nos anos 2000. A última seção trata brevemente das reações ocidentais a esta mudança de postura da Rússia e discute as perspectivas atuais.

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